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Shadow of the Colossus: Eros e Psiquê

Shadow of the Colossus (Sony Computer Entertainment, 2005) é uma aventura de Fumito Ueda, um dos génios do design da indústria dos videojogos e o mesmo criador de Ico (Sony Computer Entertainment, 2001), é bem o exemplo mais do que evidente que (alguns d)os videojogos podem ombrear, em termos de médias e de expressão artística e cultural, com a (melhor) Literatura e o (melhor) Cinema. À semelhança de mais um ou outro título que se tem analisado, Shadow of the Colossus fica como um marco na história da Geração 1.0 das consolas e isto a vários níveis, englobando o design, as nuances de luz que, por vezes, são «colossais», a jogabilidade em geral e a própria  banda sonora, a cargo de Kow Otani.

O seu argumento geral é simples e universal: é a história de  Wander que tem(os) de derrotar dezasseis criaturas “colossais” como forma de ressuscitar(mos) a (nossa) amada Mono (metamorfose da Yorda que tinha morrido em Ico?- restituindo-lhe a Alma que abandonou o Corpo), acompanhado apenas pelo seu (nosso) cavalo Agro, o qual iremos ver ser mais que um mero veículo de locomoção. O conhecimento desta sua missão é-lhe transmitida por uma entidade (Dormin), com voz mista de masculino e feminino, que o informa que terá de derrotar esses dezasseis Colossos, seres viscerais e entre o biológico e o maquínico, com a sua (nossa) espada sagrada.

 Shadow of the Colossus serve para nos mostrar que a maioria dos medos são apenas psicológicos e de ordem emocional, fazendo-nos experienciar isso, quer através do gigantismo dos boss contra quem temos que lutar; quer através de sequências cinemáticas que reforçam esta ideia. A riqueza ficcional desta temática é inquestionável, estando, neste jogo, ao serviço de qualidades artísticas fundamentais, atravessadas por o que consideramos uma estrutura “contemplativa”, que nos leva à sensação, quando terminamos o jogo, de um misto de exaustão, resignação e perdadevido às provações com que nos confrontámos.

Ao jogarmos este jogo, rememorámos a temática clássica e universal de Eros e Psiquê e, em especial, experienciámos a (similitude da) demanda genialmente «cantada» no poema (alquímico) de Pessoa com este título: Eros e Psique. Escreve ele:

«[Epígrafe].....E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade. DO RITUAL DO GRAU DE MESTRE DO ÁTRIO NA ORDEM TEMPLÁRIA DE PORTUGAL

Conta a lenda que dormia/Uma Princesa encantada/A quem só despertaria/Um Infante, que viria/ De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,/Vencer o mal e o bem,/Antes que, já libertado,/Deixasse o caminho errado/Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida, Se espera, dormindo espera./Sonha em morte a sua vida,/E orna-lhe a fronte esquecida,/Verde uma grinalda de hera.

Longe o Infante esforçado,/Sem saber que intuito tem,/Rompe o caminho fadado./Ele dela é ignorado./Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino -/Ela dormindo encantada,/Ele buscando-a sem tino/Pelo processo divino/Que faz existir a estrada.

E,se bem que seja obscuro/Tudo pela estrada fora,/E falso, ele vem seguro,/E, vencendo estrada e muro,/Chega onde em sono ela mora.

E, inda tonto do que houvera,/À cabeça, em maresia,/Ergue a mão, e encontra hera,/E vê que ele mesmo era/A Princesa que dormia.» (Fernando Pessoa,08/07/1933).

Ora, também aqui, à semelhança do que, é certo, de outra forma, acontece em ICO, esta Demanda (interior) está presente baseada na luta contra um boss, e recriando-se o conceito ao circunscrever a “passagem de nível” a essa mesma luta com cada um dos dezasseis Colossos de um modo cíclico.

Se, por um lado, este facto acaba por criar uma repetição digna de Sísifo, por outro, no final de cada batalha, acabamos por regressar mais sujos e rasgados ao ponto de partida, sendo o protagonsta obrigado, desse modo, a mostrar a sua tenacidade e fidelidade à causa que se dignou abraçar! A própria paisagem por onde vamos viajando, espantosamente bela mas desolada e separada da civilização por uma cadeia montanhosa, em que, na maoria das vezes, apenas se ouve o barulho dos cascos do nosso cavalo e o grito distante de uma águia, acaba por servir para acentuar esta experiência da solidão (interior?), realçando e amplificando a dicotomia entre a nossa “pequenez” e o carácter “colossal” da nossa aventura.

Estes Colossos, bem para além do não-biológico, figuras ctónicas e viscerais, estruturas a lembrarem-nos David contra Golias, mesmo nos seus estertores vão-nos recordando que estamos a assassinar criaturas únicas e majestosas, muitas das quais nem sequer reagem à nossa presença com agressividade:Assim sendo, por que as matamos?

Mais uma forma de experienciarmos a dor emocional durante o jogo e de nos confrontarmos com o(s) Minotauro(s) existente(s) no Labirinto das nossas consciências. Mas esta não será a única. Ela também surgirá quando virmos Agro a atirar-se de um desfiladeiro para salvar o protagonista e seu Mestre, fazendo-nos sentir a dor de um sacrifício palpável, que se desenrola diante nós. Agro nem sempre nos obedece, é certo, mas pelo simples facto de reconhecer a nossa presença já o torna em fonte (na nossa única fonte, acrescentaríamos) de companheirismo.

(texto  a continuar...)

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