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Para uma crítica da razão pós-Moderna: Em defesa do «Regresso dos Deuses»

[a 1ª versão serviu de base à comunicação ao I Encontro Lusófono de Comunicação que se realizou no ISMAG-Instituto Superior de Matemáticas e Gestão / ULHT-Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (Lisboa) nos dias 18 e 19 de Abril de 1997; publicado, inicialmente na Revista Escritor, nº 3, Associação Portuguesa de Escritores, Março de 1994, pp.171-176.; e, posteriormente, em Hermes ou a Experiência da Mediação (Comunicação, Cultura e Tecnologias), Lisboa, Pedra de Roseta, 2004, pp. 19-29]
 
       
 Para a Daniela Ermano,
pela sua «Obra ao Branco»
da nossa Modernidade.
 
 
 
-Não sei o que queres dizer com [essa palavra] - disse Alice.
Humpty Dumpty sorriu com ar de desprezo.
- Claro que não sabes, até eu te explicar...Quando uso uma palavra -disse Humpty Dumpty, num tom desdenhoso -, ela significa exactamente o que eu quero que ela signifique, nem mais, nem menos.
- A questão está em saber-disse Alice -se tu podes fazer que as palavras tenham significados diferentes.
- A questão está em saber- disse Humpty Dumpty -quem é que manda.
 (Lewis Carrol, Through the Looking Glass)
 
Definir o mundo actual como pós-moderno, é quase a mesma coisa que chamar às mulheres «não-homens». Não aprendemos grande coisa nem de lisonjeiro nem de profético.
 (Ch. Jencks)
 
Um dos primeiros pontos, senão o primeiro, que importa discutir a respeito do pós-modernismo é o de saber, não só «o que significa», mas também, sobretudo, em caso de significar algo, «qual o sentido daquilo que significa» (que se pressupõe ser diferente daquilo que é designado por outros conceitos e/ou paradigmas).
Ora, o prefixo «pós-», se é certo que pretende expressar, antes de mais, uma resposta à modernidade, quer como forma de oposição quer como sua continuidade diferenciada, também remete, numa primeira abordagem, para um certo esgotamento das taxinomias. Assim sendo, como não se muda de paradigma como quem muda de camisa, importa investigar se, a limite, se pode mesmo falar do pós-modernismo como novo paradigma e, em caso afirmativo, em que consiste e como conceber esse novum constitutivo da sua essência.
De entre a vintena de acepções que pode tomar o conceito de «paradigma»  dispersas pelo livro de Thomas S. Kuhn, The struc¬ture of scientific revolutions , destacaríamos aquelas que o encaram ora como modelo epistemológico geral ora como caracteriza¬dor de um campo específico da realidade. Quer num caso quer no outro, o paradigma assume-se como um modo de olhar (com a consistência e a coerência suficientes para se constituir como uma determinada verdade), modo de olhar este que arrasta consigo a existência de uma ontologia, na medida em que «o modo de olhar» prefigura (sempre) o «modo de ser olhado», tal como acontece em «As Meninas» (1656) de Velázquez pois, no Theatrum Mundi — e após a construção renascentista da perspectiva artificialis estudada por Panofsky, nomeadamente, no plano das «formas simbólicas» —, o olhar passa a olhar olhado, redefinindo-se, desse modo, o plano da representação. Com efeito, em «As Meninas», estamos perante o espaço da própria reflexão — no duplo sentido do pensar e do espelhar —, correspondente ao cogito cartesiano, mas igualmente, das figuras espectrais shakespearianas (Macbeth face à caveira que lhe lembra a morte; Ricardo II pedindo um espelho para contemplar as marcas do tempo no seu rosto; ou o Espectro de Hamlet, sempre a lembrar-lhe a necessidade de vingar-se e, implicitamente, o não cumprimento dessa tarefa ). Por outro lado, e convém não esquecer este ponto, trata-se de um espaço fechado, tal como na caverna platónica, em que o espelho serve para amplificar esse espaço de enclausuramento, tornando-o num «olhar imóvel», como lhe chama Foucault no texto célebre de As Palavras e as Coisas, espaço fechado esse equiparado, igualmente, embora numa outra perspectiva, ao espaço fechado do sanatório alpino romanceado em A Montanha Mágica de Thomas Mann, ou nas duas «Casas de Saude» (respectivamente, «Na Casa de Saude de Caxias» e de «Na Casa de Saude de Cascaes» ) dos contos de Pessoa. É que, também neste «espaço do sanatório» se verifica esse confronto diário (e paradigmático) com a morte, sendo as personagens quotidianamente obrigadas a dobrarem-se perante a consciência da finitude humana. Daqui deriva a tentativa de postulação de um «mundo novo», de uma «nova síntese», numa palavra, do nascimento de um Homem sem Qualidades (Musil). Ora, é por tudo isto e neste sentido que, não só o paradigma pode (ou não) basear e servir de fundamento à elaboração de uma certa teoria (lembremos que, segundo a sua etimologia grega, theoria significa «ver coisas divinas») como, de igual modo, a mudança de paradigma implica, necessariamente, a alteração do registo da representação. Consequentemente, estamos perante uma diferença fulcral, defendida por Kuhn, entre as noções de paradigma e de teoria. Percebe-se assim, e como corolário, que a existência (ou não) de uma teoria pós-moderna está dependente da aceitação (ou não) de um paradigma pós-moderno. E é aqui que as coisas se complicam. 

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