«Uma filosofia que não inclua a possibilidade de fazer adivinhações com grãos de café e não consiga explicar isso, não pode ser uma verdadeira filosofia» (G. Scholem) |
O conceito de «forma simbólica» (Cassirer) como base de uma fenomenologia da Comunicação e da Cultura
[The concept of ‘symbolic form’ (Cassirer) as the basis for a Phenomenology of Communication and Culture]
(texto-base da comunicação ao II Congresso da SOPCOM-Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação: Rumos da Sociedade da Comunicação, Lisboa, Nova Vega e Autores, pp. 277-284,2005) (reedição em Hermes ou a Experiência da Mediação (Comunicação, Cultura e Tecnologias), Lisboa, Pedra de Roseta, 2004, pp. 30-43)
Resumo
A comunicação tornou-se hoje «forma simbólica» generalizada, envolvendo-nos e absorvendo-nos a todos.
A Filosofia das Formas Simbólicas de Ernst Cassirer, publicada nos inícios dos anos 20 e após o seu contacto com a biblioteca de Warburg, enquanto «fenomenologia do conhecimento e, por isso mesmo, do processo (crítico) comunicativo que lhe é (construtivamente) inerente, esforça-se por, metodologicamente, traçar e descrever os caminhos configurativos que conduzem às várias objectivações representativas, subjacentes a uma direcção arquetipológica do Espírito e a um modo intrínseco de formação/configuração (Gestaltung), no quadro de uma morfologia geral da Consciência. É no seu interior que se desenvolve todo o processo relacional entre as funções de representação (Vorstellung) (que desempenha o papel da «forma») e de expressão (Ausdrucksfunktion). Para Cassirer, a cultura define-se por aquilo que realiza, isto é, pelas suas Obras (como refere várias vezes, não é gegeben, um «dado», mas aufgegeben, isto é, tarefa, «algo a fazer»); quanto ao símbolo, este é a «forma» e a «matéria» do conhecimento, ou seja, energia, mediação e construção em devir. O símbolo é, por isso mesmo, como que um poliedro multifacetado que se constrói em sentido no interior de uma geratividade sistémica (entendida aqui como ordem e ars combinatoria Leibniz será um dos pontos de referência do pensamento de Cassirer) na qual se insere, em relação intrínseca com a experiência da Consciência que a produz. Daqui deriva, no caso da forma simbólica mítico-religiosa, por exemplo, o esquema triádico de interpretação: mimésis, analogia e símbolo, que Cassirer desenvolve, diferentemente, quer em Sprache und Mythos (Linguagem e Mito) quer no segundo volume da Filosofia das Formas Simbólicas.
Ora, a comunicação é essa «forma simbólica» em constante gestação, isto por se constituir como ecrã a partir do qual construímos e percepcionamos o Mundo enquanto tal, isto é, etimologicamente, enquanto ‘ordem’ de sentido para nós, passível de interpretação e de aplicação hermenêutica.
Nesta comunicação apresentaremos os pontos fundamentais do pensamento cassireriano passível de servir de base a uma teoria da comunicação e da cultura.
Abstract
Communication has today become a generalised ‘symbolic form’, pervading and absorbing us all.
Published in the early 20’s following his contact with the Warburg library, Ernst Cassirer’s Philosophy of Symbolic Forms as ‘phenomenology of knowledge’ and therefore of the (critical) communicative process which (constructively) inheres in the latter, seeks to methodologically sketch out and describe the configurative approaches that lead to the various representative objectivations subjacent to an archetypological direction of the Spirit and to an intrinsic mode of formation/configuration (Gestaltung), within the framework of a general morphology of consciousness. It is in the latter that the whole relational process between functions of representation (Vorstellung) (which play the role of ‘form’) and of expression (Ausdrucksfunktion) is developed. For Cassirer, culture is defined by that which is accomplished, that is, by its Works (as he frequently refers, culture is not gegeben, a ‘given’, but aufgegeben, that is, a task, ‘something to be done’); the symbol constitutes the ‘form’ or ‘material’ of knowledge, that is, energy, mediation and construction in process. The symbol therefore resembles a multifaceted polyhedron, the meaning of which is constructed within a systemic generativity (here understood as order and ars combinatoria Leibniz would be one of the reference points of Cassirer’s thought) where it inserts itself, in an intrinsic relation with the experience of consciousness that produces that generativity. From here derives, in the case of the symbolic mythical-religious form for example, the triadic schema of interpretation: mimesis, analogy and symbol, which Cassirer develops differently in Sprache und Mythos (Language and Myth) and in the second volume of the Philosophy of Symbolic Forms.
Communication thus consists in this ‘symbolic form’ in constant gestation, due to constituting itself as a screen on the basis of which we construct and perceive the World as such, that is, etymologically, as a meaningful ‘order’ susceptible to interpretation and hermeneutic application.
This paper aims to present the major points of Cassirean thought, potentially providing the basis for a theory of communication and culture.