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Prometeu e as figur@ções maquínicas da escrita 1.0: Em torno da Palavra digital e da Escrita topográfica

(texto-base da comunicação ao I Congresso Ibérico de Ciências da Comunicação, Revista Caleidoscópio, revista do Departamento de Ciências da Comunicação e da Informação da ULHT-Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, Edições Lusófonas, 2001, pp.43-57 (reedição em Hermes ou a Experiência da Mediação (Comunicação, Cultura e Tecnologias), Lisboa, Pedra de Roseta-Edições e Comunicação, Lda, 2004, pp. 120-144)

Verba volant, scripta manent
(«As palavras voam, as escritas ficam»)

O mundo existe para chegar a um livro
Mallarmé

Estamos constantemente a utilizar termos que têm uma intenção e uma extensão que não são inteiramente aptas; teoricamente, são em princípio criados para serem aptos; mas se não o conseguem, então terá de ser encontrada uma outra maneira qualquer de lidarmos com eles, de modo que possamos saber em qualquer momento aquilo que pretendemos significar.
T.S.Eliot, «Experiment in Criticism» (1929)

§ 1. Prometeu, o pensamento previdente (opostamente a Epimeteu, que é o que ‘vê depois’), filho de um Titã (Jápeto, irmão de Crono), também ele, à semelhança do que acontece com todas as divindades ctónicas, com dons de adivinho, marca a génese da consciência e, com ela, do próprio Homem. Tendo moldado o Homem com barro ou, como é defendido na Teogonia de Hesíodo , sendo apenas o benfeitor da humanidade, quer num caso quer noutro, é a sua obstinação de Titã (apesar de não o ser totalmente) que configura a revolta que faz emergir a estirpe criadora , pois o fogo que Prometeu rouba a Zeus, a partir de uma artimanha e ambiguidade, é, de facto, a marca da ‘técnica’ e, com ela, da cultura humana. Com efeito, será de realçar que, por um lado, os ossos brancos dos animais, completamente descarnados, que são dados por Prometeu aos deuses, representam, por via do tutano, que para os Gregos é um líquido que se relaciona com o cérebro e com o sémen, como refere Vernant, a vitalidade de um animal na sua continuidade, através das gerações, assegurando a fecundidade e a descendência. Ele é o sinal de que não se é um indivíduo isolado mas um portador de filhos, ficando para os homens, esses seres que comem «o pão e a carne dos sacrifícios e bebem o vinho da vinha» , a carne para cozinharem. Mas, por outro, estabelece a ambiguidade desse fogo ‘técnico’ representar um processo de vontade intelectual e de espiritualização progressiva, querendo saber cada vez mais. É isto que faz, por exemplo, Bachelard falar do complexo de Prometeu como um «complexo de Édipo da vida intelectual» . No mito de Prometeu e nessa figuração mítica do sacrifício primordial, estamos, por isto mesmo, em presença da génese figurativa das artes e das técnicas humanas, por relação genesíaca com o seu próprio pensamento
.

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