«Uma filosofia que não inclua a possibilidade de fazer adivinhações com grãos de café e não consiga explicar isso, não pode ser uma verdadeira filosofia» (G. Scholem) |
Nos Jardins do Ofício: Pessoa e a Alquimia do Verbo
[Discursos e Práticas Alquímicas, I Colóquio, Odivelas, 1999
Uma primeira versão deste texto foi por nós editada no Pensar Pessoa: A dimensão filosófica e hermética da obra de Fernando Pessoa, Porto, Lello & Irmão, 1997, pp. 169-192 – sob o título «Ciência e Esoterismo em Fernando Pessoa», texto esse que serviu de base a uma outra comunicação proferida na Casa Fernando Pessoa em 27 de Outubro de 1994]
Para o Artur e o Tomás Filipe,
Flores de um outro Jardim Alquímico
No Jogo das Contas de Vidro tudo tem de ser possível, incluindo por exemplo que uma planta fale latim com o senhor Lineu
Hermann Hesse
O possível não compreende apenas os sonhos dos neurasténicos, mas também os desígnios de Deus ainda adormecidos
Robert Musil
O meu objectivo é falar de corpos
que se transformaram em formas de outro tipo
Ovídio
Com o título desta minha comunicação pretendo exprimir a associação entre os «Jardins do Ofício» da Escrita (paradigma de toda a Modernidade) e os processos alquímicos do Verbo, tomando por base a arquitectura heteronímica e o processo de experiencialização da Consciência («O viajante não tem morada fixa; a estrada é o seu lar», como se diz no I Ching, hexagrama 56) subjacentes ao pensamento e obras de Fernando Pessoa. I
Em Pessoa, e em termos sistemáticos, encontramos três modos de conceber o processo heteronímico, a saber:
a) como evolução da Consciência humana, desde o nível mimético, passando pelo analógico, até ao simbólico;
b) como escala de despersonalização;
c) e como graus de iniciação.
Estes três modos, apesar de diferentes entre si, são tudo faces de um mesmo poliedro ou, se se preferir, modos diferentes de se empregar a «intelligencia analogica». São, como escreve nalguns textos do seu projecto («livro que o não é») Caminho da Serpente, as «três ordens» de interpretação. Cabe a estas «três ordens» combinar, no plano poiético, a subjectividade da lírica (Apolo) com a objectividade do drama (Dioniso), não nos esquecendo, como escreveu Nietzsche, que
Dioniso fala a língua de Apolo, mas Apolo acaba por falar a língua de Dioniso; e dessa maneira se conseguiu atingir o fim último da Tragédia e da Arte